2009: um ano de fogo PDF Imprimir E-mail
Andreia Fanzeres e Cristiane Prizibisczki   
14/09/2009, 15:47
 

Brigada municipal do Prevfogo em atuação no município de Nova Ubiratã (MT) em 2008. Foto: Rodrigo Falleiro


Quem trabalha com prevenção e combate a incêndios florestais no Brasil vive em 2009 a expectativa de atravessar os quatro meses mais secos do ano com um motivo extra para prender a respiração. Começa a ser colocada em prática a nova estrutura brasileira para enfrentar fogo dentro e fora das áreas protegidas. Combater as queimadas continua sendo a mesma tarefa arriscada de sempre. O que muda agora é a organização. Ajustes foram feitos, novos compromissos assumidos. E agora não há mais tempo para questionar. A estiagem chegou e o novo esquema está em prática.

As principais ressalvas à estratégia do governo recaem sobre a real necessidade de se montar toda uma nova estrutura para lidar com incêndios florestais dentro do Instituto Chico Mendes (ICMBio), órgão federal que desde 2007 passou a ser responsável pelas unidades de conservação. Em vez de aproveitar a experiência de 20 anos do Centro Nacional de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais do Ibama (Prevfogo), que tem funcionários da casa especializados e acostumados a trabalhar com as unidades de conservação, optou-se por nomear um bombeiro para o comando das ações, com novas equipes e atribuições. Ao Prevfogo cabe agora capacitar e auxiliar brigadas formadas por agendes estaduais, municipais, além de Exército, Defesa Civil e o próprio ICMBio. No fundo, para realizar um trabalho melhor, tudo o que o centro sempre precisou foram de investimentos mais sérios em termos financeiros, organizacionais e administrativos.

“Não foi em seis meses que o Prevfogo atingiu o nível de conhecimento que tem hoje. Levaram-se anos. Então, para mim, foi muito difícil entender que nós estamos criando ‘um outro Prevfogo’ voltado para o mesmo objetivo que é o combate ao incêndio florestal. Se você for considerar que o fogo não tem fronteiras, não vejo porque de criar o Prevfogo do muro para dentro da unidade de conservação e ter um outro Prevfogo do muro para fora”, comentou Elmo Monteiro, coordenador nacional do Prevfogo. “Estamos preocupados porque a gente conhece a realidade do nosso país e do que é um incêndio florestal. Eu espero que eles consigam dar conta da demanda, mas de qualquer forma nós estaremos preparados para dar apoio na hora em que for necessário. O compromisso com a questão ambiental é de todos”.

Não é à toa que, a cada ano mais organizações e entidades no Brasil começam a se engajar com trabalhos de prevenção e combate aos incêndios florestais. A responsabilidade, de longe, não é só dos órgãos ambientais federais. Hoje, Exército, Defesa Civil, e os governos estaduais estão visivelmente mais empenhados, inclusive com ajuda de cooperações internacionais. O projeto Amazônia sem Fogo, por exemplo, uma parceria entre o Ministério do Meio Ambiente e a Embaixada Italiana, resolveu investir em capacitação e conscientização sobre alternativas ao uso do fogo após a comoção nacional decorrente dos incêndios incontrolados que assolaram o estado de Roraima por três meses, em 1998.

O governo federal anunciou que criará em 2010 um plano nacional para enfrentar de maneira integrada o problema de fogo, com a participação de vários ministérios. A intenção é boa. Mas para funcionar, é preciso vontade política e a consciência de que proteger o país das queimadas é uma necessidade para a biodiversidade e para o clima mundial. Só que, como se sabe, o Brasil está cheio de boas intenções no que se refere aos perigos do fogo, com fóruns para ações e discussões já montados em âmbito estadual, mas que até agora não conseguiram provar eficiência.

Batendo a cabeça

Conforme explica Rodrigo Falleiro, ex-coordenador regional do Prevfogo em Mato Grosso, o desafio concreto é fazer com que todas as entidades envolvidas consigam se entender em campo e realizar trabalhos complementares. Caso contrário recursos públicos serão em vão. “Existem várias instituições que lidam com o fogo na época crítica, mas o fogo não é prioridade para nenhuma. Conheço assentamentos que recebem cinco, seis visitas de órgãos por ano e ninguém agüenta mais ouvir que incêndio é ruim e faz mal para a saúde”, diz Falleiro, para quem a estratégia devia ser completamente diferente. “Para ninguém bater cabeça, a SEMA [Secretaria do Estado do Meio Ambiente] deve continuar indo, mas para dizer como se tira autorização para queima controlada, o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] tem que explicar como resolver os problemas de passivo ambiental, a Empaer [Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural] para mostrar quais são as alternativas ao uso do fogo, e assim por diante; e não todo mundo falando a mesma coisa”, encerra.
                                                                                                                                                                             

Assentado Willis Paulo Reis: "uma montoeira de órgãos que eu não sei para que servem". (Foto: Andreia Fanzeres)

Essa confusão de atribuições coloca o poder público no Brasil em situação vergonhosa. “Eu já procurei ajuda para apagar o fogo aqui, mas quem é que vem? Pedi na secretaria de agricultura do município, fiz meu BO [Boletim de Ocorrência, na polícia] e quem é o responsável pela fiscalização? Ibama, SEMA, Instituto Chico Mendes? Está aí uma montoeira de órgãos que eu não sei para que servem. Você vai conversar com eles e a primeira coisa que escuta é que não há condições para eles irem, não tem carro, não tem nada”, relata com revolta o assentado Wilis Paulo Reis, de 49 anos, morador de um assentamento a 90 quilômetros da cidade de Juína (MT).

Exercer a cidadania e cobrar dos vizinhos responsabilidade no uso do fogo acabam se tornando missões perigosas demais para os que tentam mudar. “Eles fazem um BO, daí falam que vão designar patrulha pra ver [o fogo], mas como a pessoa não tem aquisição financeira, eles acham que ela não tem condição de pagar a multa e deixa o caso para lá porque ‘não compensa’. As autoridades mandam a gente mesmo ficalizar, mas se você fiscaliza, tira satisfação com alguém, dão um tiro na gente”, conta Ari Picchi, que vive no mesmo assentamento que Wilis.

O estado de Mato Grosso este ano anunciou investimentos de cinco milhões de reais apenas nos trabalhos de prevenção e combate a incêndios. Isso é praticamente a metade do que o governo federal destinou ano passado para cuidar das brigadas municipais em 32 municípios da Amazônia Legal. Em 2009, os recursos para as atividades do Prevfogo somam R$ 14 milhões.

Responsável por 118 mil focos de calor em 2007, Mato Grosso viu em 2008 seus números caírem para 40 mil. Anunciou a instalação de três bases aéreas no interior com oito aeronaves à disposição para brigadas. Em âmbito federal, o Prevfogo contará com nove helicópteros alugados (para atender o país inteiro) e mais seis aviões em processo de licitação para aluguel, além de 41 veículos 4x4 e sete unidades móveis de combate chamadas de Rodofogo nesta temporada de seca. O Instituto Chico Mendes informou que carros próprios para o trabalho das brigadas estão baseados nas unidades de conservação e, para especialmente atendê-las, dois aviões estarão à disposição em Cuiabá (MT) e na cidade de Lençóis (BA), estratégica para ações no Parque Nacional da Chapada Diamantina, que só no ano passado teve mais de 55 mil hectares de vegetação transformados em cinzas.

No que depender do Major Alexandre Lemos, destacado do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul para a Coordenação Geral de Proteção Ambiental (CGPro) do ICMBio, as expectativas serão atendidas. Desde o início do ano, foram contratados 1407 brigadistas nas unidades de conservação federais e, segundo a autarquia, haverá equipamentos de proteção individual (EPIs) para todos. Uma das modificações mais importantes na transição da gestão do fogo nas unidades de conservação federais foi a criação do Sistema de Comando de Incidentes (SCI). “O combate de incêndio florestal não deve ser de um órgão. Nós estamos com a idéia de capacitar no comando regional com esses atores, chefe de unidade de conservação, bombeiro local, associação de moradores, associação rural, para que todos saibam o que fazer na hora de um incêndio, para não ter aquela confusão’, calcula Lemos. 2009 será a prova de fogo, ou melhor, do fogo.

Clique para ampliar os dois mapas e veja a distribuição de brigadas federais nas unidades de conservação e nos municípios.

    
Comentários
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A iniciativa é ótima
Pedro da Cunha e Menezes 14/09/2009 16:07:50

tenho acompanhado o combate a incêndios florestais em vários países há dez
anos. Já escrevi sobre isso várias vezes aqui em OECO. Não tenho dúvida
alguma que o sistema de comando de incidentes é a saída adequada. está de
parabéns o Ministro MINC pela iniciativa. nomear um bombeiro não é diminuir o
pessoal da casa, mas é buscar alguém que conhece como se monta um sistema de
comando de incidentes, pessoa fundamental nessa hora de reestruturação.
SCI é apenas uma ferramenta
Paulo Ramos 14/09/2009 17:14:25

A nomeação de bombeiros para o ICMBIO é um equívoco.

Ao contrário do que
defende o Pedro Menezes que diz acompanhar o combate de incêndio em vários
países, a estratégia do MMA não vai mudar nada porque SCI - Sistema de
Comando de Incidentes não impede o acontecimento de incidentes, mas apenas
organiza uma base de informação sobre as ocorrências e estabelece hierarquias
de comando.

O SCI é uma ferramenta de organização importante, mas não muda
nada nos acontecimentos que levam a ocorrência dos incêndios
florestais.

Lidar com a questão dos incêndios florestais é uma tarefa muito
mais complexa que simplesmente a adoção do SCI.

Obviamente que o assunto
manejo de fogo não é da competência de bombeiros, pois se trata de área
típica de engenheiros florestais, de ecólogos, biólogos e outras profissões
afins.

A visão do bombeiro é restrita ao combate e o SCI é parte desta
estratégia.

Acontece que o Prevfogo e o ICMBIO tem responsabilidades mais
complexas que simplesmente se preocupar com o combate.

É um equívoco nomear
bombeiros para coordenar ações relacionadas com o fogo no meio ambiente, pois
não se trata apenas de combate. Trata-se de monitoramento, de manejo ecológico
do fogo, lidar com várias instituições no que conhecemos como Planos de
Ação Interagências e gestão da prevenção e de aplicações alternativas
ao fogo na agropecuária. Estas ações não são de competência de
bombeiros

Nenhuma agência dos países mais avançados do mundo, que o Pedro
acompanha, instalou bombeiros no comando de seus sistemas.

Serviço Florestal
Americano nos USA, Instituto de Conservación de la Naturaleza - ICONA na
Espanha; Comición Nacional Foretal - CONAF no Chile, França, Portugal etc.
Qualquer lugar do mundo, os bombeiros ocupam o espaço de sua competência e
não de comando em agência ambientais ou florestais.

Mas no Brasil o que vale
é a politicagem barata e aí vale tudo. Além do mais tratam-se de
instituições civis, onde civis tem que exercer suas funções e não militares
que não tem a formação adequada para tal.

Major Alexandre no ICMBIO total
absurdo.

Se existe alguma ação específica para ser desempenhada e que seja
necessária a cooperação de bombeiros militares tudo bem, mas passar o
comandode postos civis para militares é um erro.

Isto não acontecia na área
ambiental brasileira, mas este governo tem permitido muitas barbaridades.
Nenhuma surpresa!

Para legitimar minha opinião: propus a criação do que é o
PREVFOGO em 1988, ainda no IBDF. Chefiei o PREVFOGO e estive a frente do
estabelecimento da estrutura estratégica que hoje existe. Tenho muita
experiência na área de manejo, prevenção e combate aos incêndios
florestais.

Analista ambiental; Eng. Florestal; Mestre e Doutor em Ecologia.
Muita discussão inútil
Cecilio V Pinheiro 14/09/2009 20:25:53

Não vi na reportagem a discussão sobre porque o Prevfogo não foi para o
ICMBio e ficou no IBAMA, para que ele foi criado mesmo? Por que ficou no IBAMA?
A quem interessou isso?
E supervalorizar o Prevfogo e esquecer onde estão a
maioria dos responsáveis pela prevenção e combate de incêndios da Unidades
de Conservação acho imperdoável. Então eu falo, os principais responsáveis
não estão nas coordenações estaduais e nem em nenhuma coordenação
nacional.
A prevenção e combate de incêncios se aprende e se aperfeiçoa no
dia a dia nas unidades, combatendo e não viajando pelo mundo e sonhando que
somos Espanha, Estados Unidos, Austrália e tudo mais. Cada bioma, casa região
deste Brasil tem sua especificidade, suas características e o melhor
especialista é o que vive o dia a dia do local.
Grande parte do pessoal que
trabalhava ou ainda trabalha com Prevfogo, estão nas UC, trabalhando com
prevenção e combate a incêncio, com brigada, com contratação, com gestão
de pessoal.
Quem fazia e faz tudo isso é o pessoal das UC, e foi sempre
assim.
E os problemas estruturais de contratação, EPIs e tudo o mais continuam
os mesmo e com certeza têm que ser resolvidos.

Analista Ambiental - P.N.
Chapada dos Guimarães
Analista ou brigadista?
Rodrigo Falleiro 15/09/2009 12:24:40

Enxada, abafador, papeladas, mecânica, hidráulica, improviso, sacrifício,
etc. sempre foram necessidades impostas a nós, nunca nosso objetivo como
ANALISTAS. Mesmo aqueles que se dedicavam a uma das tarefas mais difícieis e
ingratas: o combate de incêndios nas UCs!!!

Analistas ambientais que
trabalham com o fogo devem ser capacitados para que desempenhem suas funções
com o máximo de eficiência. Neste contexto, conhecer as experiências e
realidades de outras regiões e países é fundamental para este processo, como
demonstrado pelo comentário do Paulo Cezar.

Para realizar as atividades
relacionadas ao problema do fogo(capacitação, prevenção, manejo do fogo,
monitoramento, combate, coleta e sistematização de dados, publicação, etc.)
faz-se necessária uma estrutura central de organização. Este era o objetivo
do PREVFOGO. Através desta estrutura, proporcionar um trabalho melhor nas
pontas (UCs, na época).

Parece que foi bastante eficiente, tanto que alguns
nem sentiram a falta da estrutura central após a divisão, contentando-se
apenas com 50% do Centro (o pessoal mais de campo, que ficava nas UCs,
conhecidos com Gerentes do Fogo... alguns com Doutorado!!!).


Se o PREVFOGO
não atingiu seus objetivos ou deixou a desejar, certamente não foi por excesso
de capacitação dos funcionários...
Existem muitos outros motivos para que
isto tenha acontecido.

De todo jeito... boa sorte ao ICMBio!!! Tomara que
consiga melhorar o trabalho que era feito. Da minha parte, percebo que os
técnicos das UCs (capacitados pelo PREVFOGO) sempre foram gratos ao Centro e
sentem grande saudade (prova disso é a utilização dos uniformes do Centro nas
reuniões do ICMBio por TODOS eles, menos o bombeiro). Os grandes amigos e
colegas não vão mudar por causa desta palhaçada toda. Vamos nos encontrar de
novo, na hora do fogo, quando os burocratas e os bombeiros ficarem para trás,
nós vamos estar ainda na linha de frente, dando risada juntos. E no botecom
depois, como sempre fizemos.

As células do Hezbolah permanecem ativas...
hehe!!!
SCI?
Rodrigo Falleiro 15/09/2009 12:31:29

Só não entendi o que o SCI tem a ver com isso!!!
Uma simples ferramenta de
organização, dentre outras que já se usavam.
Esta certamernte é a pior
justificativa que eu já vi. Não tem nada a ver, pois nem os bombeiros que dão
o curso de
SCI (os próprios instrutores) conseguiram aplicá-lo na prática
uma única vez em combates de incêndios florestais!!!
Não tenho nada contra
o CBM ou o Alexandre, mas o motivo certamente não é esse e até hoje não foi
explicado.
Situação Complicada
Alberto Setzer 19/09/2009 20:10:39

Uma idéia da gravidade da situação do fogo nas áreas de preservação está
nas duas seguintes páginas internet:

http://www.ibama.gov.br/prevfogo/areas-
tematicas/monitoramento/boletins-de-monitoramento/


http://www.dpi.inpe.br/proarco/bdqueimadas/erela t/
(ver o relatório da
última data, p.ex.)

E para quem quiser receber diariamente relatórios de
focos de queima nas Áreas de Conservação, cadastrar-se
em
http://pirandira.cptec.inpe.br/queimada/admin.l ogin.logic
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