Quarta, 22 de Setembro de 2010
Milton Martins
Advogado militante, formado na PUC-SP, com artigos de interesse geral, crônicas e poesias publicados em diversos órgãos de imprensa, profissional de relações trabalhistas em empresas do ramo automotivo, autor do livro "Sindicalismo e Relações Trabalhistas" - 4a. edição (1996 - LTr).
30/08/2010 - 22h51
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"Esquecemo-nos, todavia, de um agente
geológico notável – o homem. Este, de fato, não raro reage brutalmente
sobre a terra e entre nós, nomeadamente assumiu, em todo o decorrer da
história, o papel de um terrível fazedor de desertos. Começou isto por
um desastroso legado indígena. Na agricultura primitiva dos silvícolas
era instrumento fundamental – o fogo."
A citação acima, refere-se
aos desertos provocados na região do nordeste com as queimadas
praticadas de modo desastroso que, ao longo do tempo, foram devastando
imensas áreas de "flora estupenda".
Não foi ela extraída de algum
manual recente de entidade ecológica, entre tantas nacionais e
internacionais que criticam a omissão brasileira na questão das
queimadas havidas na floresta amazônica. Ela é de autoria de ninguém
menos que Euclides da Cunha, ao estudar "a terra" em seu livro "Os
Sertões", cuja primeira edição apareceu em 1902.
Esse consagrado
autor, já então no início do século passado, demonstrando certa
perplexidade e amargura, apontava o absurdo das queimadas para abrir
espaços para a atividade pastoril ou, "ao mesmo tempo o sertanista
ganancioso e bravo, em busca do silvícola e do ouro".
Décadas e
décadas se passaram e a prática do fogo continua destruindo
desordenadamente as florestas brasileiras, quase que extinguindo a mata
atlântica e agora, em proporções assustadoras, vai predando própria
selva amazônica e cerrado.
É brutal a omissão oficial a essa
calamidade, cuja fumaça das queimadas – provocadas ou não - cega
transeuntes, fecha aeroportos e dificulta a respiração de crianças,
exatamente na região antes conhecida como o "pulmão do mundo",
qualificativo que fora um orgulho para nós brasileiros, pelo menos para
os que pensam um pouco mais à frente.
À omissão, aliam-se o
absoluto desrespeito à vida, pela natureza e pelo mistério das matas
virgens, com as milhares de vidas que sustentam, levadas de roldão,
inapelavelmente, pelo fogo.
Esses indivíduos gananciosos e
irresponsáveis que exploram madeira na Amazônia e outros biomas, não
respeitam árvores centenárias, salvo pelo seu valor econômico, põem fogo
na mata para abrir espaços para pastagens do modo mais desordenado e
criminoso possível, de ordem a manter o maior rebanho bovino do mundo.
Nos
dias de hoje, ensinam-se os princípios da ecologia e da preservação da
natureza nas escolas, praticam-se solenidades simbólicas de plantio de
árvores perante alunos que aplaudem e se comprometem com a idéia. Para o
futuro. Mas, o futuro já corre sérios riscos. O grave problema se
verifica no presente. Ações devem ser tomadas agora, energicamente, de
tal maneira que sobre algo para ser cuidado no futuro.
“Diminuiu a devastação na Amazônia: em vez de sabe lá quantos campos de futebol por dia, a predação agora é apenas a metade.”
E há quem comemore esse engodo. É degradante.
Essa realidade é assustadora.
As
autoridades que poderiam reverter esse processo criminoso omitem-se,
fecham os olhos ao se depararem com a fumaça das queimadas e se voltam
para ao dar de ombros, as desculpas de sempre: falta de estrutura de
fiscalização e de combate às queimadas e, torcem para que de seus
gabinetes não sejam afetados pelos seus resíduos.
O desrespeito
chegou ao insuportável. O despreparo das entidades oficiais em enfrentar
tais crimes é desanimador. Chega a ser patético.
Há algumas
décadas, a publicação "O Correio da Unesco", reportava-se ao "Avanço do
Deserto" na Terra, esclarecendo uma das reportagens:
"Muitos
acreditam que os desertos do Oriente Médio e da região mediterrânea
foram criados pelo homem. Há dois ou três mil anos, as vertentes e as
planícies do Líbano, da Síria, o litoral do Egito e da Tunísia eram
cobertos por rica vegetação (lembremos os famosos cedros do Líbano) e
forneciam a Roma grandes quantidades de madeira, cereais, azeitonas,
vinho e outros produtos.
O abate de árvores, a destruição das
florestas e da vegetação herbácea e o pisoteio das pastagens, juntamente
com a erosão pelo vento e pela água, transformaram esses territórios em
semi-desertos".
Incluindo as queimadas que em muito aumenta a
gravidade da tragédia, estamos seguindo há muito exatamente essa
receita. A de construirmos desertos na região mais exuberante do
planeta: a Amazônia.
É chegada a hora da urgência, sim, de
encararmos a que ponto estamos e parar para pensar sobre o futuro e para
nossas crianças, de tal ordem que vivam num mundo melhor e mais
respeitoso com a natureza. Que se inspirem na simpatia que deve existir
entre a árvore e o homem. Entre os animais e os homens e entre estes e a
água, um elemento vital, preocupante, também descurado.
Há tanto
por fazer e a cada ano, quando as coisas se acomodam após as crises
constantes como esta que agora se assiste – esse circo de horrores – os
projetos vão sendo postergados.
E o jogo da política menor, sórdida, volta a prevalecer com o mesmo ímpeto das queimadas.
Textos do colunista com o mesmo enfoque deste. Visitem
http://martinsmilton.blogspot.com/ - Temas Livres
A coluna acima é de exclusiva responsabilidade do autor.
Milton Martins
31/08/2010 - 07h04 | Piracicaba / SP
Pregação
Caio
A devastação ambiental
me incomoda tanto que não me sinto confortável em me omitir. Não faz mal
que eu pregue no deserto, tal qual João Batista. Eis aí a ironia,
"pregar no DESERTO". Abraço.
Milton Martins
Caio Martins
31/08/2010 - 05h37 | São Paulo / SP
Profecias
Caro Milton,
nestas épocas
de demagogias escancaradas e escandalosas, imprensa venal e glorificação
de nulidades, a estupidez humana se revela em sua máxima expressão. A
destruição da própria casa - a Natureza - é prova mais que definitiva.
Parabéns
pelo artigo. Você me lembra João Batista, pregando no deserto. Quem
sabe, num futuro improvável, suas palavras sejam resgatadas. Quem
(sobre)viver, verá.
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Marisa Bueloni
01/09/2010 - 12h20 | Piracicaba / SP
No Deserto
Dr. Milton, parabéns pelo texto. É preciso conscientizar cada vez mais a população dos malefícios das queimadas, seja para o meio ambiente ou para a nossa saúde. Aliás, somos todos parte da Criação. De fato, estamos num DESERTO... Um deserto de ideais, de lutas... Não podemos ficar de braços cruzados. Um abraço!