domingo, 11 de janeiro de 2009, 00:44 | Versão Impressa
Memorial da natureza
O Estado de S.Paulo
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O museu de Frans Krajcberg, em Nova Viçosa, na Bahia, foi construído sobre troncos. Foto: Divulgação
O
morador mais ilustre de Nova Viçosa, no sul da Bahia, é um polonês
naturalizado brasileiro de 87 anos que não se cansa de lutar. Falta uma
explicação que dê conta do tamanho da paixão de Frans Krajcberg pelo
País e sua natureza - talvez apenas a casa que ele construiu sobre uma
árvore de pequi, erguida a 7 metros do chão, para que o artista
plástico pudesse ver o mar. O mar e o mato em volta. Porque a casa é
síntese de sua vida e sua arte.
Krajcberg mora ali há quase três
décadas. Vive só, mas sempre inquieto. Sobre o artista, sabe-se pouco e
o bastante: estudante de artes e engenharia em Leningrado, viu a morte
da família na 2ª Guerra. Em 1948, desembarcou no Rio de Janeiro,
disposto a "fugir do homem". Em São Paulo, foi faxineiro e pedreiro até
ser "adotado" por Ciccillo Matarazzo, que o convidou a expor suas obras
na primeira Bienal, em 1951.
É dos maiores escultores em
atividade no mundo, mas por pouco Krajcberg não abandonou os pincéis.
Nos anos 50, Lasar Segall lhe arranjou emprego de engenheiro na fábrica
de papel Klabin, no Paraná. O corte de árvores da região o despertou
para a defesa do meio ambiente e, desde então, entre a abertura de uma
exposição e uma homenagem, o escultor passa meses afastado da
civilização, entre lama e destroços das queimadas. Registra em foto e
em arte natural tudo o que vê.
Aos olhos de quem visitou a
exposição da Oca numa manhã fria de novembro passado, ele é o artista
dos pássaros, cobras, árvores e flores (esculturas de parede, entre R$
120 mil e R$ 150 mil cada uma, na Marcia Barrozo do Amaral Galeria de
Arte). Krajcberg, que passou por São Paulo para conferir a abertura da
mostra, caminha devagarinho, sorri à toa. Em entrevistas, esse polonês
de olhos pequeninos diz que o que faz não é arte. E passa horas, se
necessário for, provando que é preciso se indignar com a destruição do
planeta. "O Brasil é esquisito. Não vejo um intelectual da mídia
falando com seriedade sobre ecologia. Ninguém tem mais coragem. Mas, se
a gente não defender a Amazônia, que seres humanos nós somos?",
pergunta o artista.
À meia-voz, confessa estar com medo; em
meados de outubro, ele teve sua casa invadida na Bahia. Levaram
dinheiro, com o qual pretendia concluir as obras de seu museu, e uma
condecoração de honra recebida no final da guerra. "Roubaram também uma
medalha do Partido Comunista que pertencia à minha mãe. Ela foi presa
pelos nazistas e fiquei dias procurando por ela. Até que a encontrei
morta. Levaram embora minha lembrança mais preciosa", conta ele.
Krajcberg
conheceu Nova Viçosa em 1958. Foi o arquiteto Zanine Caldas quem o
chamou para construir lá um lar definitivo onde pudesse ter um ateliê e
material para trabalhar. O artista passava, então, longas temporadas
dentro de uma caverna, em Minas Gerais, coletando material para as
esculturas e fabricando os corantes. "Houve uma época em que todos
queriam morar aqui. Chico Buarque e Dorival Caymmi compraram terreno
para esses lados. Mas abandonaram o lugar. Só eu fiquei", afirma.
A
primeira morada, toda de madeira e vidro, resume-se hoje ao ateliê de
Krajcberg e foi feita a quatro mãos, em 1971: ele e Zanine saíam juntos
para catar madeira nas redondezas e montaram a construção quase sem
desenho. O amigo o ajudou também a plantar milhares de mudas de árvores
na região.
A casa da árvore veio logo depois: símbolo da ousadia
daqueles tempos, a madeira desperdiçada - que hoje atende pelo nome de
"madeira de demolição" - sustenta a construção que evoca, ao mesmo
tempo, o simples e o genial. Além disso, existe o museu dedicado à obra
do escultor que está sendo construído no terreno de 1,2 km². Com
projeto do arquiteto Jaime Cupertino, dois pavilhões já estão prontos.
O
modo particular como convivem plantas, troncos do pequi que perpassam o
telhado, móveis que, de onde se olhe, parecem ter sido moldados pela
natureza, tal a organicidade das linhas, expressam o entendimento de
Krajcberg sobre a vida. O telhado em quatro águas fecha as laterais de
vidro. O próprio tronco do pequi esconde a escada em formato de caracol
por onde se chega à casa. Ele gosta de artesanato: objetos de vidro,
pedra, madeira e folha foram ganhando espaço dentro de sua casa. Todo o
resto é madeira. O papel de parede com desenho de folhas foi trazido de
Paris há muito. E mais nada: Krajcberg, que acorda às 5 da manhã e
caminha quilômetros na beira da praia, se cerca do que lhe é caro e
necessário.