País em chamas Conduta de brasileiro atear fogo em arbustos é estúpida Luiza Nagib Eluf Revista Consultor Jurídico, 27 de outubro de 2002. Nosso país está pegando fogo. Literalmente. Não em relação às campanhas eleitorais e às acusações entre candidatos de parte a parte, mas em razão dos incêndios, que estão destruindo a pouca vegetação que nos sobrou da devastação. Segundo informação da revista Veja, de 16 de outubro último, este ano atingimos mais um recorde de queimadas de áreas verdes. Até o início de outubro de 2002, os focos de incêndio já superaram em 30% o total registrado no ano passado. E é muito fácil constatar a veracidade da estatística. Basta viajar um pouco por qualquer estrada e será difícil respirar. A fumaça é insuportável. A terra queima incessantemente. Quando não queima, é porque já queimou, o que se percebe pela cor preta do solo e a supressão da vegetação. Há brasileiros que não podem ver um arbusto que já pensam em atear fogo. A conduta é tão estúpida que não parece ter explicação lógica. Talvez resulte de algum trauma coletivo, ou de uma patologia social, uma herança cultural incontrolável, uma guerra eterna contra a árvore. Seja o que for, nos levará à eliminação completa das áreas verdes em pouco tempo. As conseqüências serão desastrosas, como já podemos perceber: calor fortíssimo, problemas de abastecimento energético, diminuição do volume dos rios, desaparecimento de nascentes de água, desertificação do solo, poluição e secura do ar, extinção de animais, doenças. Isso tudo além da paisagem desoladora, deprimente, árida, feia, muito feia. E pensar que o Brasil já foi um país lindo... Ainda segundo dados publicados pela Veja, em 2002 (ano que não acabou), foram registrados 221 mil focos de incêndio, o que significa um foco novo a cada dois minutos. Foram destruídos 57 mil hectares de floresta, sendo que o maior incêndio ocorreu na Chapada dos Veadeiros, que perdeu 3% de sua área total. Esses incêndios, em sua esmagadora maioria, são propositais, criminosos. Foram deliberadamente provocados para atender a interesses pessoais completamente contrários às necessidades da coletividade, do meio ambiente, da saúde pública, do turismo, da preservação das espécies animais. Aproveitando-se das condições climáticas do inverno e do outono, época em que chove pouco, e da completa negligência e até conivência das autoridades competentes, esses criminosos extravasam toda a sua sanha destruidora queimando áreas verdes para se apossar das terras, para simplesmente "limpá-las", ou para outras finalidades tão abjetas quanto. Lugares turísticos em função das belezas naturais estão perdendo suas características atrativas com o desaparecimento da cobertura vegetal. Não há um recanto do Brasil que se possa considerar preservado da devastação. Diante desse quadro, por incrível que possa parecer, o presidente da República, os governadores dos Estados, os candidatos à Presidência e aos governos estaduais pouco ou nada falam sobre o assunto. Parecem não ver que o estado falencial da economia não é o único fantasma que nos assombra. Os presidenciáveis, em um dos debates que antecederam o primeiro turno das eleições, questionaram-se mutuamente sobre a transposição do Rio São Francisco, como se a seca do nordeste fosse um fato isolado. A seca vai arruinar o país todo, em breve. E não haverá Rio São Francisco para ser transposto, porque ele secará em decorrência da devastação das áreas verdes em sua nascente (Lula foi o único que mencionou esse fato, aliás muito oportunamente). A questão fundamental a ser posta aos candidatos em época de eleição é: o que será feito para a preservação das áreas verdes, a única coisa da qual o Brasil ainda poderá se orgulhar um dia? O fim da vegetação é também o fim das águas, da produção agrícola e pecuária, do turismo, da saúde; da qualidade de vida; é a miséria mais absoluta. Mesmo assim, a devastação só aumenta e não é por falha na legislação. É falta de vontade. Durante os últimos anos, o país piorou imensamente nesse aspecto. A questão ambiental, tão vital quanto o controle da inflação, foi sistematicamente esquecida. A pobreza e a ignorância aumentaram demais, todos os morros de todas as cidades, todas as áreas de proteção a mananciais, todos os parques ecológicos estão, de alguma forma, ocupados irregularmente. A cidade de Ouro Preto, considerada pela Organização das Nações Unidas como patrimônio da humanidade, está sendo ameaçada de perder o título em razão da ocupação ilegal e descontrolada de seus morros, o que descaracteriza irrecuperavelmente sua arquitetura. Não há políticas sérias de preservação vegetal, urbana ou rural. A fiscalização ambiental caiu quase a zero. A falta de zelo pelas próprias entranhas dá mais impressão de desgoverno do que a escalada do dólar. Onde os responsáveis por essa nau sem rumo? Nossos administradores, que tanto gastam com publicidade, precisariam usar a televisão para reeducar a população e contratar agentes para coibir a destruição. Ou somente sobrará o pó. Revista Consultor Jurídico, 27 de outubro de 2002.