Quando a fumaça passar
Judson Ferreira Valentim¹
A situação nos últimos dias ficou
realmente crítica e a qualidade do ar esteve pior que em muitas cidades
metropolitanas. Só a concentração de monóxido de carbono registrou índice sete
vezes maior que a encontrada em São Paulo no mesmo período. Os hospitais estão
lotados de crianças e idosos com problemas respiratórios e diarréias. Nesta
hora todos criticam os produtores pelas queimadas e cobram soluções mágicas das
instituições públicas.
Eu não vou entrar na discussão sobre
de onde vem a fumaça que paira sobre o Acre. Este assunto já foi tema de uma
polêmica recente. O que compete a nós do Acre é saber quais as causas, quem são
os responsáveis pelas queimadas e o que fazer para que esta situação não se repita.
As
causas - A legislação ambiental e a estrutura
de fiscalização tiveram sucesso em coibir os grandes desmatamentos e queimadas
no Estado do Acre. Porém, ao contrário
do que se acreditava, a pecuária, a maior responsável pelos desmatamentos no
Estado, já não é mais uma atividade desenvolvida predominantemente por grandes
produtores. Pelo contrário, os dados do cadastro do Instituto de Defesa
Agropecuária e Florestal do Acre (Idaf) mostram que, já em 2002, 97% de todas
as propriedades com pecuária possuíam até 100 cabeças de gado e eram
responsáveis por 52% do rebanho bovino do Acre.
Segundo o Idaf existiam pouco mais
de 550 médios e grandes pecuaristas no Acre com rebanho acima de 500 cabeças. A
maioria destes produtores já atingiu o limite de desmate legal em suas
propriedades e, com exceção de uma minoria, já está consciente dos prejuízos do
uso do fogo no manejo das pastagens.
Nos últimos anos, grande parte dos
desmatamentos e queimadas no Acre tem sido realizada por pequenos produtores
com a finalidade de produzir alimentos de forma a garantir a sua subsistência,
geralmente com o plantio de milho, arroz e, no ano seguinte, feijão, mandioca e
banana. Após dois ou três anos de uso, as áreas já encapoeiradas são novamente
queimadas para dar lugar às pastagens ou como forma de aumentar o valor de
venda da propriedade quando toda a floresta já tiver sido desmatada. Os
pequenos produtores têm na pecuária a sua caderneta de poupança, livre da
inflação, sem risco de confisco e com alta liquidez.
Nesse caso, a proibição da queimada
não funciona, pois os pequenos produtores não vão deixar para queimar mais
tarde, após as primeiras chuvas, correndo o risco de ter uma queimada mal feita
e de não ter condições de plantar a sua roça. Só quem não compreende a realidade
dos pequenos produtores pode acreditar que eles deixariam de queimar na época
que a sua experiência recomenda como a mais adequada, colocando em risco a
segurança alimentar das suas famílias.
Os pequenos produtores praticam a
agricultura de derruba e queima porque é a sua tradição e porque não têm acesso
a outras alternativas. Existem políticas públicas, que se traduziram em
centenas de programas e projetos envolvendo órgãos do governo federal,
estadual, dos municípios e diversas ONGs, que vêm implementando com sucesso
experiências e projetos pilotos de alternativas aos sistemas de produção
agropecuários que dependem dos desmatamentos e queimadas. Entretanto, os
benefícios destas iniciativas ainda são muito restritos. Temos hoje no Acre
mais de 30 mil pequenos produtores que dependem da agricultura de derruba e
queima e todas estas experiências, programas e projetos têm alcançado de forma
efetiva menos de 10% destes produtores.
O Estado tem mais de 1,8 milhão de
hectares de áreas desmatadas. Deste total, cerca de 740 mil hectares são de
áreas bem aproveitadas, com mais de 95 mil hectares de culturas anuais, cerca
de 13 mil hectares com culturas perenes e 630 mil hectares de pastagens
produtivas. No entanto, mais de 1 milhão de hectares são áreas de pastagens em
degradação e áreas de capoeiras abandonadas, sujeitas às queimadas intencionais
ou acidentais todos os anos. A
recuperação e o uso intensivo destas áreas degradadas são as melhores
alternativas para viabilizar a agricultura de subsistência dos pequenos
produtores e a pecuária intensiva e sustentável sem necessidade de
desmatamentos e queimadas.
Queimadas
acidentais - Este é um problema grave no Acre. Durante o período chuvoso a vegetação
cresce e se acumula ao longo dos ramais, das rodovias estaduais e
federais. Durante o verão, a vegetação
seca e o material acumulado tornam-se um fator de risco de incêndios
acidentais.
Em alguns casos, com o início do
período seco, as margens de algumas estradas são roçadas, mas o material seco
permanece no local. Diversos produtores de médio e grande porte, que possuem
tratores e implementos agrícolas, fazem a gradagem das áreas às margens das
rodovias, incorporando a matéria orgânica e diminuindo o risco de incêndios
acidentais. Mas estas situações são exceções e não a regra. O mais freqüente é
os produtores terem condições apenas de fazerem o aceiro de suas cercas nos
limites das propriedades.
Também são freqüentes as ações de
produtores que, durante os meses de maio e junho, mesmo desobedecendo ao que é
estabelecido pelos órgãos ambientais, fazem uma queimada preventiva da
vegetação às margens dos ramais e rodovias, eliminado a vegetação acumulada e
reduzindo os riscos de incêndios acidentais. Nos anos anteriores, tentativas de
tornar legal e regulamentar esta prática foram infrutíferas devido à falta de
sensibilidade dos órgãos ambientais. Em vez de ter queimadas controladas e com
menor impacto ambiental, o resultado é o fogo fora de controle na época mais
crítica do ano.
Alternativas
- Infelizmente não existem soluções mágicas para os desmatamentos e
queimadas. Para que esta situação não se repita nos próximos anos é preciso
aproveitar o incômodo da fumaça para refletir e, quando a fumaça passar, juntar
esforços em um plano integrado para estabelecer e executar uma agenda positiva
de ações proativas e preventivas para mudar de vez esta situação.
No caso dos pequenos produtores, que
praticam a agricultura de subsistência, é essencial estabelecer um programa
agressivo de mecanização de três hectares de áreas degradadas e fornecimento de
3 mil kg calcário e fertilizantes para a produção de alimentos em troca da
eliminação dos desmatamentos e queimadas. Isto evitaria a derruba e a queima de
uma média de três hectares de florestas e capoeiras, bem como a emissão na
atmosfera de cerca de 500 mil kg de carbono por produtor a cada ano.
Além disto, os pequenos, médios e
grades pecuaristas poderiam criar um rebanho até três vezes maior apenas com o
uso de tecnologias já disponíveis. Tudo isto permitiria reduzir significativamente
as taxas de desmatamento e queimadas com benefícios econômicos sociais e
ambientais para toda a população do Acre.
Também é necessário pactuar entre os
órgãos federais, estaduais, municipais e os produtores estratégias eficazes
para eliminar o risco de incêndios ao longo dos ramais e rodovias estaduais e
federais.
O que não pode acontecer é o que tem
ocorrido nos anos anteriores. Com as primeiras chuvas a fumaça vai embora e o
assunto dos desmatamentos, das queimadas e o incômodo da fumaça são esquecidos
até que novos dados dos desmatamentos sejam divulgados ou quando a Amazônia
começa a pegar fogo novamente.
1Engenheiro Agrônomo, Ph.D.,
pesquisador Embrapa Acre. judson@cpafac.embrapa.br