Felipe Milanez/Terra Magazine
![]() Na região de Ourilândia, no sudeste do Pará, queimadas são usadas para a formação de pastagem
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Felipe Milanez
De São Paulo
Excesso de queimadas hoje em dia apenas reforça um abuso histórico do uso do fogo como uma ferramenta da agricultura brasileira. E expõe as contradições do agronegócio, que tenta se mostrar moderno
Há 300 anos, o Brasil ardia em chamas. Mais intensamente, nos idos dos 1800 o fogo queimava a Mata Atlântica, a despeito de tentativas de regulamentação contra o abuso deste "instrumento" de devastação e da critica de intelectuais. Hoje, a história se repete, com muitas similaridades.
Nesses séculos, a rudimentar técnica de utilizar o fogo como uma ferramenta de manejo, que suprime a floresta e fertiliza o solo com suas cinzas, segue como a grande parceira da formação do agronegócio.
Parece ontem. Ler as reflexões de intelectuais sobre a critica à devastação, especialmente ao uso abusivo do fogo, organizada no revelador livro "Um sopro de destruição" (Jorge Zahar Editor), do historiador José Augusto Pádua, pode até ser angustiante ao levar-se em conta que esse ainda é um problema atual.
"Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vitimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo", declarou José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da independência, em 1823.
Quase três décadas antes, José Vieira Couto dizia, em 1799: "Já é tempo de se atentar nestas preciosas matas, nestas amenas selvas, que o cultivador do Brasil, com o machado em uma mão e o tição em outra, ameaça-as de total incêndio e desolação. Uma agricultura bárbara, ao mesmo tempo muito mais dispendiosa, tem sido a causa deste geral abrasamento."
O Brasil continua ardendo. Os meses de maio a setembro são de estiagem na parte central do País e sul da Amazônia. É o inverno, no hemisfério sul, também chamado de "verão" - em razão da falta de chuvas. Seca.
Com a seca, os rios diminuem consideravelmente o volume de águas, a vegetação fica mais árida e inflamável. Uma pequena brasa pode se espalhar por milhares de hectares rapidamente. Por isso, sempre que se pretende "limpar", retirar a cobertura florestal nessa época do ano, o fogo é o método mais fácil. Não se trata de uma criação européia, mas técnica desenvolvida pelos povos indígenas que primeiro colonizaram o continente - e depois adaptada pelos europeus para a colonização do território.
O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) acaba de divulgar que há 134% mais focos de queimadas do que no ano passado - um total de 41.636 incêndios desde início do ano até 27 de agosto último. Esse salto seria atribuído a ações criminosas e especulativas para a propriedade da terra, em expansão pelo avanço da fronteira agrícola e potencializado pelo clima seco. Para combater esse flagelo da nação, o governo anunciou que investiu cerca de R$ 30 milhões em prevenção aos incêndios.
Nos jornais, choveram protestos. Intelectuais denunciam o abuso desse método "bárbaro" na agricultura. Governo anuncia medidas contra o fogo. E o País segue ardendo em chamas, numa proporção mais devastadora do que nunca. O surpreendente é pensar que o debate persiste há séculos, e a ciência hoje em dia consegue demonstrar a gravidade do dano à própria humanidade. Mesmo assim, o fogo segue sendo o desbravador ("devastador?") do Brasil.
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