Jornal da Ciência (JC E-Mail) ===================================================================== Edição 2055 - 17 de junho de 2002 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC ===================================================================== 14 - Perdigotos não apagam incêndios, artigo de Felipe A. P. L. Costa Felipe A. P. L. Costa (meiterer@hotmail.com) é biólogo. Artigo enviado pelo autor ao 'JC e-mail': O clima da região Sudeste do Brasil se caracteriza por um verão (dezembro a março) quente e chuvoso, com máximos de temperatura e pluviosidade em janeiro, e um inverno (junho a setembro) frio e seco, com mínimos de temperatura e pluviosidade em julho. Em certos lugares, esses períodos podem estar ligeiramente deslocados (temperatura média mais alta em fevereiro, por exemplo), mas esse é o padrão geral para a região [ver Nimer, E. 1989. Climatologia do Brasil, 2a ed. RJ, IBGE]. Estamos agora no fim do outono (março a junho), uma estação de transição entre verão e inverno. Com a chegada do inverno, a precipitação pluvial e a temperatura do ar tendem naturalmente a cair. Nessa época do ano, o ritmo de crescimento da vegetação diminui; muitas plantas, em particular ervas e subarbustos, que na estação das chuvas crescem rápido, deliberadamente 'secam' suas partes aéreas, retendo em órgãos subterrâneos as reservas que conseguiram armazenar. Com a chegada das chuvas na primavera (setembro a dezembro), o crescimento vegetativo recomeça a um ritmo crescente até o verão. Esse padrão cíclico anual também pode ser observado entre espécies exóticas de gramíneas (capins) que formam hoje a paisagem dominante (pastagens artificiais) em boa parte da região Sudeste. Restos vegetais (folhas, galhos, troncos etc.) secos representam um ótimo combustível para alimentar e propagar o fogo (natural ou induzido). Por isso mesmo, em termos de incêndios florestais, o inverno é a estação do ano que mais preocupa: o ar e o solo estão mais secos do que nunca e o acúmulo de serapilheira (a camada de restos vegetais e animais que recobre o chão da floresta) atinge seu volume máximo. Há, portanto, menos água para inibir o fogo e mais combustível para alimentá-lo! Não é à toa que os incêndios são mais freqüentes, maiores e mais demorados nessa época do ano. A falta de pessoal equipado e bem treinado para combater incêndios florestais é apenas o ingrediente que os governos comumente adicionam para transformar 'acidentes' em 'tragédias'. Incêndios em unidades de conservação O inverno ainda nem começou, mas o sinal de alerta já foi disparado e está tocando. E esse ano, a estação promete ser 'quente'. Segundo matéria recém-divulgada pela Agência Estado [1], o monitoramento de focos de fogo feito pelo satélite NOAA-12 já teria detectado, só na primeira semana de junho, 2.080 focos, o dobro dos dois últimos anos (942 em 2001 e 1.064 em 2000). Mato Grosso mais uma vez saiu na frente na corrida para ver 'quem arde mais'. É preciso lembrar, no entanto, que esses números são parciais, pois, como as fotos usadas são noturnas, queimadas feitas durante o dia não são detectadas. A matéria da AE também chama a atenção para o elevado número de focos registrados justamente onde eles deveriam ser incomuns: dentro de unidades de conservação (reservas e parques) e em áreas indígenas. A esse respeito, ainda segundo a AE, balanço divulgado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) revela que, de junho a novembro de 2001, 5.596 focos (4,3% do total registrado no país) foram detectados em unidades de conservação e áreas indígenas. Pelo menos um desses focos deve ter sido um incêndio que ocorreu em Juiz de Fora (MG), uma das poucas cidades brasileiras que possui reservas biológicas municipais (Poço D'Anta e Santa Cândida). Em setembro de 2001, um foco que começou no pasto de uma propriedade vizinha avançou e incendiou um trecho de floresta da Reserva Biológica do Poço D'Anta [2]. Conforme saiu publicado na imprensa local: 'Passados três dias do incêndio, ainda eram visíveis pelo menos cinco focos de fogo, deixando em brasa tocos de árvores' [3]. Em casos assim, é bom lembrar, o ônus pelos estragos caberia ao proprietário do terreno onde o fogo teve origem, tenha sido ele provocado (queimada) ou não (incêndio). Cabe ao Poder Público (municipal, estadual e federal) fiscalizar e zelar pelo cumprimento da legislação, e não simplesmente se omitir, como tem sido a tônica no Brasil, principalmente quando os incêndios ocorrem dentro dos limites de uma unidade de conservação. No caso do incêndio na Reserva Biológica do Poço D'Anta, a falta de manutenção adequada (aceiros limpos separando o pasto da floresta, por exemplo) e até de itens de segurança para os funcionários (botas, luvas, uniforme etc.) eram evidentes e não passaram despercebidas [3]. Ora, se prevenir é mesmo melhor do que remediar, então já está na hora da imprensa perguntar aos supostos responsáveis (sejam governos municipais, estaduais ou o próprio governo federal): afinal, como estão os preparativos para efetivamente reduzir os riscos ou combater os focos de incêndios florestais durante os meses secos de 2002? Sim, efetivamente, porque as palavras vazias e os perdigotos que esse pessoal costuma despejar em cima dos microfones não serão suficientes... Notas [1] 'Queimadas recomeçam no Sudeste e Centro-Oeste', de 11/06; pode ser lida em: http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias/2002/jun/11/176.htm [2] Não confundir com a Reserva Biológica de Poço das Antas, que é uma unidade federal existente em Silva Jardim (RJ). [3] Ver matérias sobre o incêndio na Reserva Biológica do Poço D'Anta publicadas nas edições de 7/9 e 11/9/2001 do jornal Tribuna de Minas. ---------------------------------------------------------------