Entrevista: ano eleitoral e propostas de mudanças no Código Florestal contribuem para o aumento das queimadas - 30/08/2010
Local: São Paulo - SP
Fonte: Amazonia.org.br
Link: http://www.amazonia.org.br
Aldrey Riechel Durante o mês de agosto deste
ano, o número de queimadas triplicou, na comparação com o mesmo período
do ano passado, segundo o satélite referência do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram identificados 26.425 focos de
queimadas, um aumento de 268% ante os 7.177 focos registrados em agosto
de 2009. Além de fatores já conhecidos, como o tempo seco e a
utilização do fogo para "limpar" os terrenos e prepará-los para receber
uma nova cultura, Marcelo Marquesini, engenheiro florestal do
Greenpeace, aponta outras duas situações que estão influenciando no
aumento do número de focos de incêndio. Um deles é o período
eleitoral, que tende a afrouxar as fiscalizações. "Existe uma
pressão entre os governos estaduais e até nos governo locais pra que
você não atue o eleitor, que está promovendo o desmatamento", explica. As
mudanças no Código Florestal, proposta pelo deputado Aldo Rebelo
(PCdoB), também estão influenciando os produtores a continuarem com as
queimadas. "Nós estamos escutando produtores falando, 'não vou me
cadastrar', 'não vou tirar a minha licença, da propriedade', porque o
código vai mudar e eu vou poder desmatar mais", explica o ambientalista. Confira a entrevista: Amazônia.org.br - Por que a queimadas desse ano causaram tanto impactos e foram tão intensas? Marcelo Marquesini -
Existem alguns fatos e algumas suposições. Geralmente nos anos
eleitorais, a fiscalização e os recursos para a fiscalização
diminuem. Há uma pressão entre os governos estaduais e até em
governo locais para que você não autue o eleitor, que está promovendo o
desmatamento e sempre há uma tendência de que os índices sejam maiores
do que nos outros anos. Se olhar a curva do desmatamento, ela
tem caído, não tem como negar. A gente [do Greenpeace] não
concorda com o governo quando ele diz que o desmatamento vai ser menor
do que isso, mesmo assim, de novo, é um dado histórico, porque ele
atualmente está abaixo de 10 mil km². Mas não é um número para
festejar. É número para aceitar que há uma tendência de queda, nós
estamos falando de 7 mil quilômetros quadrados desmatados. Isso é
um absurdo no século XXI. Ainda mais nós brasileiros, signatários
de todos os tratados internacionais e compromissados em reduzir as
emissões, atacando duramente o desmatamento. As queimadas
geralmente seguem a mesma tendência. Nós fizemos um estudo de 2000
até 2010 de total de queimadas na Amazônia, por focos de calor, usando
só um satélite. Escolhemos o que mais localiza focos de calor,
seguindo a sugestão do Inpe. É o NOA-15. Há uma tendência
também de quedas nos focos de calor. Se você for comparar este
ano com o de 2004, que foi o segundo maior pico do desmatamento, os
focos estão menores. Contudo, esse ano, eles estão muito maiores
que os dois anos passados. Porque, além do fato eleitoral, é um
ano que está muito seco. Ainda que absurdo, o fogo é usado como
uma prática agrícola, para limpar o terreno, ou partes infestadas de
carrapatos, por exemplo. Ele se alastra em um ano mais seco, para
outras áreas. Tem fazendeiros que inclusive não gostam de ter
fogo em sua área. Tenta ali fazer uma cerca, só que quando o tempo
está muito seco, bate um vento e as labaredas passam de sete metros. As
áreas de florestas degradadas ou exploradas deixam muita galhada na
floresta, que é um material combustível. O fogo quando alcança
esse material incendeiam as florestas que já foram exploradas por
madeireiros. Então há uma série de razões, para o fogo se alastrar
e estar maior do que nos últimos anos. Outra coisa que a gente
acredita, sem dúvida, é o efeito da mudança do Código Florestal.
Nós estamos escutando produtores falando, 'não vou me cadastrar', 'não
vou tirar a minha licença, da propriedade', porque o código vai mudar e
eu vou poder desmatar mais. E isso certamente influência.
Tem gente limpando o terreno, e ainda mais, com a presunção, com a
possibilidade do perdão. Ou seja, da anistia, parte da proposta do
Aldo Rebelo. Amazônia.org.br - O Rio Madeira sofreu
grandes impactos e também todo o Estado. É comum que essa região
tenha índices tão grandes de queimadas ou há novos fatores? Marquesini -
Os ventos seguem uma dinâmica nas cidades da Amazônia. Eles
sopram de leste para oeste, do Atlântico para as cordilheiras, então a
fumaça do Pará, Tocantins e Maranhão acaba indo parar em Rondônia e no
Acre, que são Estados extremamente afetados. É uma questão que
gera problemas de saúde, fechamento de escolas, de aeroporto.
Semana passada, o aeroporto de Rondônia ficou três dias fechado e as
pessoas ficaram presas. Você mexe com a economia também dessa
região. Um fato curioso. Eu moro em Manaus há 10 anos e
nunca tinha visto isso. Ano passado teve isso, um pouco, mas eram
queimadas ao redor de Manaus, que estava muito seco. Esse ano não
estava tão seco ao redor do Manaus, mas houve uma inversão: a fumaça da
Bolívia, que ao invés de seguir o rumo Andes, subiu pelo sul de Rondônia
e chegou até Manaus, que ficou três, quatro dias seguidos debaixo de
uma densa fumaça, pior que São Paulo. Uma densa fumaça de
queimadas. Você almoçava, dormia, jantava, como se tivesse uma
queimada no seu jardim, na sua casa ou apartamento. Foi
impressionante. Você imagina, se a previsão é que a Amazônia, ou
boa parte dela, se torne mais seca, com essa prática de fogo a
tendência é entrar em um ciclo cada vez de mais queimadas e incêndios,
independente do desmatamento estar caindo. É um risco
gigantesco. Haja vista que as mudanças climáticas venham afetar,
cada vez mais, a fluvialidade, ou o regime, pelo menos. Ou seja, a
chuva começada em uma época, mas com uma seca mais severa, mais
prolongada. E isso vai ser uma catástrofe. Amazônia.org.br
- As queimadas na Amazônia não são novidades. Porque somente
agora tiveram mais destaque na mídia nacional? Marquesini -
É fácil responder isso. É um problema crônico da sociedade e que
se reflete nos nossos governos. Qual é o projeto para a Amazônia
de longo prazo e que concilie desenvolvimento, com a conservação e até
preservação? Não existe. O projeto que o governo tem hoje é
um PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] "bombado", é um projeto
com modelo da década de 1970. Constrói estrada, constrói
hidrelétrica e mete mineração lá, para extrair recursos, para produção
de commodities. Continua com a mesma mentalidade de 40 anos
atrás. Não tem um projeto para a Amazônia. E isso é um
pouco de reflexo da sociedade, a Amazônia ainda é vista como uma coisa
distante, e a sociedade topa assinar [abaixo-assinados], 'eu assino o
abaixo assinado para parar o desmatamento', mas é pouca ação
pró-amazônia e para exigir mais dos nossos governantes e da classe
política, que boa parte, inclusive, não tem nenhum interesse e nenhum
projeto mais ousado que pense em desenvolvimento sustentável para a
Amazônia. Amazônia.org.br - Sendo um problema tão antigo, é possível apontar soluções? Marquesini -
A primeira coisa é que tem que cessar o desmatamento. Nós temos
essa proposta do desmatamento zero, que nós fizemos junto com a Amigos
da Terra - Amazônia Brasileira, em 2007 ou 2008, apresentamos o
resultado de uma consultoria ampla, que fizemos sobre mecanismos
econômicos para se atingir o desmatamento zero. Atacando essa
parte você já reduz mais da metade dos problemas. Hoje, boa parte
do que se queima vem da mesma origem do que desmata e derruba.
Para limpar aquela derrubada utiliza-se a queimada. A segunda
coisa a se fazer é manejo de pastagem sem fogo, tem gente que continua
usando fogo para eliminar praga, como dei o exemplo do carrapato.
Tem tecnologia para você fazer manejo de pastagem sem uso do fogo.
E essas duas práticas aliadas resolvem os problemas.
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