De: Alberto Setzer [asetzer@cptec.inpe.br]
Enviado em: quarta-feira, 16 de maio de 2007 17:55
Para: Pedro Lagden
Assunto: Fumaça que vem de longe
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Fumaça que vem de longe

Andreia Fanzeres

04.09.2005

Se um dia os telejornais apresentarem, na previsão do tempo, as imagens do deslocamento da gigantesca corrente de fumaça que sai da Amazônia e cobre grande parte da região centro-sul do Brasil, talvez o público comece a ter uma noção mais realista do quanto a floresta está queimando. Executar essa idéia não é coisa de outro mundo. “É possível sim”, garante Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo (USP), minutos após uma palestra na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com o aval de uma das maiores autoridades brasileiras quando se fala nos efeitos das queimadas sobre o clima, as televisões podem começar a cogitar a novidade

Relevância é o que não falta nesse tipo de dado, que pode ser tão fácil de mostrar quanto o deslocamento de uma frente fria. Além desse cobertor de fumaça mudar completamente a visibilidade e a qualidade do ar em boa parte do país nos meses de seca nas regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste, é a maneira mais simples de entender por que as queimadas florestais são fonte de 74% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil – taxa que o coloca na quinta posição do ranking dos países que mais poluem no mundo.

As queimadas emitem gases como o monóxido e o dióxido de carbono, compostos nitrogenados, metano e aerossóis (partículas sólidas em suspensão). Em quantidades amazônicas, tornam-se ingredientes de uma mistura extremamente prejudicial à floresta. Nos últimos 150 anos, a concentração de alguns desses gases na atmosfera aumentou como nunca. “Se pensarmos só no metano, por exemplo, existem estudos que apontam que, nesse período, a concentração passou de cerca de 400 partes por bilhão (ppb) para 3.700 ppb”. Segundo o pesquisador, esse crescimento não tem mistérios. É resultado da queima de combustíveis fósseis somada à alta taxa de desmatamento mundial.

A destruição das florestas está associada à quantidade de fumaça que o Brasil joga na atmosfera. Quando o fogo não é ateado para limpar pastos, funciona como uma espécie de funeral do desmate. Ele geralmente não é colocado sobre a floresta densa, mas sobre o que já foi cortado e está no chão perdendo a umidade para ser mais facilmente incendiado. O que sobra é removido para a semeadura de grãos ou capim. O problema é que, como qualquer fogo, ele foge de controle e acaba se alastrando pela floresta que ainda está em pé.

Uma nuvem qualquer se forma quando existem na atmosfera vapor d’água e aerossóis, que funcionam como núcleos de condensação. Esses núcleos crescem e, na Amazônia, ao superarem o tamanho de 14 microns (0,0014 milímetros), a gota precipita. Mas quando há excesso de aerossóis, como no caso das queimadas, a gota não cresce o suficiente e não chove. Acontece um fenômeno que Paulo Artaxo chama de supressão de chuvas. “A atmosfera fica alterada e as verdadeiras nuvens de chuva são inibidas, não se formam mais”. As “falsas” nuvens, as de fumaça, são assim. Demoram mais para se dissipar, são mais brancas e refletoras, ou seja, atrapalham a radiação solar, o que traz conseqüências à produção de energia na floresta. Recentemente comprovou-se que essas imensas nuvens influenciam também o clima.

Uma pesquisa do ”Experimento de Grande Escala da Biosfera - Atmosfera na Amazônia (LBA/ Ministério da Ciência e Tecnologia da qual participou o próprio Artaxo, levou cerca de 400 cientistas a Rondônia entre os meses de agosto e outubro de 2002 para realizarem uma série de estudos. Eles registraram uma queda na temperatura no estado de 2 ºC, além da redução de um quinto da luz solar e a diminuição de até 30% na quantidade de chuvas – tudo isso em decorrência da fumaça que, todo ano, muda sensivelmente a paisagem na cidade de Ji-Paraná.

Tais mudanças, no entanto, não acontecem apenas onde a floresta queima. “A redução das chuvas se espalha pelo país na medida em que a alta concentração de aerossóis é transportada pelas correntes de ar para outras regiões”. Isso sem falar na poluição, que danifica até as florestas que não sofreram com o fogo.

Além de mexerem no comportamento da atmosfera, as queimadas alteram profundamente outras esferas, como a biodiversidade de uma região e os recursos hídricos – por falta de chuvas e por deixar o solo desprotegido quando não existe mais cobertura vegetal – de modo irreversível no curto prazo. “Na Amazônia, boa parte dos nutrientes vem da chuva. Se você não tem chuva, as florestas saem perdendo”, diz Artaxo. Segundo ele, existem estudos mostrando que áreas de matas devastadas e abandonadas no sul do Pará há cerca de 30 anos não conseguem até hoje se regenerar plenamente. “A biomassa que renasce não chega a 40% do que era antes e a diversidade não supera os 25%”.

Artaxo não quer ser chamado de catastrofista, mas apresenta dados nem um pouco animadores. Uma pesquisa do centro de previsão do tempo do instituto de meteorologia do Reino Unido, o Hadley Centre, previu que, se as taxas de desmatamento mundiais forem mantidas, entre 1990 e 2090 haverá uma mudança de algo entre 10 a 12 °C na temperatura do solo. Ainda segundo o instituto, no ano 2100 restarão no máximo 20% da cobertura original da Amazônia, num cenário otimista. Atualmente, 18% da região já foram completamente devastados.

A culpa, segundo Artaxo, é do governo, que não acompanha os avanços tecnológicos que permitem aos pesquisadores brasileiros monitorar em tempo real o surgimento das queimadas. Na realidade, não só quem entende do assunto, mas qualquer internauta curioso. No site do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espacias (Inpe), é possível saber, entre outras coisas, quantos focos de incêndio existem neste momento em cada estado brasileiro ou em cada país da América do Sul, além de sua localização e de números acumulados. “Temos equipamentos e cientistas aptos a prever áreas até com risco de fogo. Pena que o governo não consiga realizar a última parte desse trabalho, que é executar as ações e impedir a devastação”, critica Artaxo. Para ele, não existe política efetiva de controle de queimadas no Brasil.

Isso se torna ainda mais grave quando alguns estados decretam proibição a todo tipo de queimada no período de estiagem e, mesmo assim, centenas de focos são registrados. “A Amazônia não pega fogo sozinha por causa da altíssima umidade, inclusive nas áreas que são consideradas menos úmidas, como o norte de Mato Grosso”, explicou Artaxo. Se até agora esse tema não tem conseguido ganhar o interesse da sociedade, a estratégia da corrente de fumaça na TV talvez possa impactar e revelar mais do que a dimensão da área consumida pelo fogo. Quem sabe mostre também a dimensão da impunidade.


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