QUEIMADAS
Os ventos de agosto traziam
sempre, aos montes, a fuligem
que enegrecia o céu sem nuvens
e as nossas tardes secas, quentes.
Vinha de longe, dos canaviais
ardentes à beira das estradas.
Meninos ainda, aguardávamos ansiosos
“as queimadas” pousarem lentamente
sobre nós, escurecendo-nos as palmas das mãos.
Brinquedos caídos do firmamento
a sujar roupas, minhas lentes,
nossos rostos imberbes e felizes.
O pai às pressas guardava
o velho Chevette branco na garagem,
já praticamente coberto de negritude,
enquanto, pela segunda vez,
a mãe gritava para entrarmos:
“iríamos nos sujar como carvões”.
À noite, o cheiro das queimadas
impregnava os quartos e a sala
onde assistíamos, sonolentos,
à novela das oito.
Pela manhã, ao sair para a escola,
“cuidado quando passar pela varanda”,
a mãe advertia na cozinha, preocupada
com as camisas brancas, bem passadas:
poderiam se sujar caso encostássemos
no muro que, como o piso de cerâmica,
estava repleto de insones fuligens,
caídas na madrugada fria.
As roupas esquecidas no varal
negras como a maldita fuligem
voltariam, infelizmente, para o tanque
e seriam ensaboadas de novo (oh dó).
A casinha do dócil pastor-alemão,
igualmente emporcalhada, seria lavada
ainda pela manhã, enquanto aprendíamos
estudos sociais na escola estadual
depois, claro, de cantarmos o hino
defronte à bandeira hasteada
no pátio imundo de fuligem
enquanto os fortes ventos traziam
odor de fumaça e agitavam o
pavilhão também salpicado de breu.
20160814_Raphael Cerqueira Silva
Enviado por 20160814_Raphael Cerqueira Silva em 14/08/2016
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