Sobre a tese de doutorado de Mariângela Guerreiro Milhoranza

Escrito por José Maria Rosa Tesheiner. Publicado em Artigos Jan 2015.

Muito nos ilude a divisão didática das ciências: cremo-las independentes e todas se entrosam, se entreauxiliam, como os fatos do universo, que constituem o objeto delas (Pontes, Sistema, I, 1972, p. 60)

Em tese de doutorado intitulada “A competência legislativa municipal e a permissão de utilização das queimadas controladas nos campos de cima da serra à luz da função social da propriedade”, apresentada na PUCRS, em 26 de janeiro de 2014, Mariângela Guerreiro Milhoranza sustenta a constitucionalidade de legislação municipal autorizadora de queimadas (sapecadas) nos campos de cima da serra, no Rio Grande do Sul.

O que desejo destacar  não é o primeiro capítulo da obra, em que a Autora trata do Direito ambiental, particularmente sob o viés constitucional, nem o terceiro e último, em que examina a repartição constitucional da competência legislativa entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, referentemente à matéria ambiental, mas o segundo capítulo, em que a Autora examina a situação de fato dos municípios da região de cima da serra, no Rio Grande do Sul e demonstra que as queimadas anuais, controladas, realizadas há mais de duzentos anos, não prejudicam o meio-ambiente; pelo contrário, são necessárias, tanto do ponto de vista econômico quanto  ambiental.

Não tentarei sintetizar sua demonstração, pois meu intuito é  o de destacar a impossibilidade de se separar  do direito os fatos a que se refere bem como a importância do método indutivo no Direito.

Muitas obras jurídicas tomam como ponto de partida normas afirmadas aprioristicamente, para aplicá-las, depois, aos fatos, com maior ou menor adequação.

A Autora preferiu o método dedutivo, partindo de exame de uma situação de fato relevante, buscando depois o Direito aplicável, revivendo o velho aforismo “ex facto oritur jus”, pois é dos  fatos que se extrai o Direito  aplicável.

Não se trata de uma situação de fato qualquer, como a de um conflito entre particulares, mas de uma situação de fato relevante, por envolver o direito ao meio-ambiente sadio, a par dos aspectos relativos à exploração agrícola no local.

Os fatos relatados são suficientes para sustentar a tese da Autora.  Quase desnecessário o terceiro capítulo, porque, quando nele se chega, já se sabe que a permissão constitui a única solução jurídica razoável, seja o que for o que digam as leis.

A maioria das obras de Direito detém-se unicamente no exame das normas, como se o Direito pudesse ser estudado, compreendido e explicado independentemente dos fatos a que se refere. Na tese ora comentada, pelo contrário, é a situação de fato que adquire relevo. O resto, o Direito aplicável, vem  quase como consequência.

Oxalá sejam escritas outras teses e dissertações segundo esse modelo, que busca indutivamente a melhor solução para os nossos problemas locais, sem pretender aplicar soluções apriorísticas, como se o pensamento pudesse constranger a realidade.

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