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Queimadas: prevenção e combate
No Brasil, a maioria dos incêndios em vegetação é causada pelo homem, e tecnologias têm sido empregadas para detectar e prevenir os focos
Por Fabiano Morelli e Pedro Augusto Lagden*

Existem biomas que, ao longo da história, evoluíram em resposta aos frequentes incêndios de causas naturais. Porém, a maioria é afetada negativamente. Todos os anos milhões de hectares de áreas florestais do mundo são consumidos pelo fogo, o que resulta em enormes perdas econômicas, danos ao meio ambiente e, em alguns contextos, perdem-se infraestruturas e até mesmo moradias e vidas, sem mencionar os altos custos das atividades de combate aos incêndios. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o uso do fogo na vegetação tem exercido grande influência na manutenção e gestão dos ecossistemas do mundo.
O Brasil é um país preocupado com os recursos naturais e a preservação ambiental, com legislação pertinente. Espera-se que queimadas e incêndios de origem antrópica, isto é, causadas pelo homem, não ocorram em áreas de proteção. No entanto, o que se verifica é uma desconexão entre a realidade e as políticas públicas de preservação, visto que as queimadas são frequentes em áreas protegidas de qualquer nível de jurisdição.
As unidades de conservação (UC) representam a melhor estratégia de proteção aos atributos e patrimônio naturais. Nelas, fauna e flora são preservadas, assim como os processos que regem os ecossistemas, garantindo a manutenção da biodiversidade e a proteção dos costumes de populações originais. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008), no Brasil, nos últimos anos, ocorreu um crescimento considerável do número e da área das Unidades de Conservação Federais, especialmente daquelas de uso sustentável. Apesar da preocupação de conservar o ambiente com a criação de UC, ocorrem degradações de vários tipos nestas áreas. O fogo em áreas protegidas constitui uma das mais importantes fontes de alteração e destruição de flora e fauna, e consequente comprometimento dos recursos naturais nestes locais. Em princípio, o fogo em áreas protegidas seria apenas de origem natural, de acordo com as condições meteorológicas locais e a disponibilidade de material vegetal combustível. Ou, ainda, conforme estabelecido na Resolução Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) n° 11, de 14 de dezembro de 1988, que admite o uso do fogo em unidades de conservação, somente com autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para a construção e abertura de aceiros, que visam justamente evitar a propagação de incêndios (veja infográfico).
Tecnologias de detecção
Na verdade, o que se observa no Brasil é que quase a totalidade das queimadas é causada pelo homem, e por razões muito variadas, como por exemplo limpeza de pastos, preparo de plantios, desmatamentos, colheita manual de cana-de-açúcar, vandalismo, queda de balões, disputas fundiárias, protestos sociais etc. Como parte do esforço para minimizar as queimadas, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) vem desenvolvendo e aprimorando, desde a década de 1980, um sistema operacional de detecção de queimadas. A partir de 1998, o trabalho passou a ser feito conjuntamente com o Programa de Prevenção e Controle de Queimadas e Incêndios Florestais na Amazônia Legal (Proarco/Ibama), com ênfase particular à Amazônia, e atualmente substituído pelo Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo/Ibama), que atua no combate aos incêndios mantendo brigadas nos municípios mais críticos.
Os dados para controle são obtidos a partir do processamento diário de mais de 200 imagens dos satélites meteorológicos Noaa, Goes, Meteosat, Terra, Aqua, além de integrar dados produzidos pela Agência Espacial Europeia (ESA), que processa as imagens do satélite ASTR e dados do satélite TRMM produzidos pela Nasa.
O sensoriamento remoto (conjunto de técnicas que possibilita a obtenção de informações sobre alvos na superfície terrestre, através do registro realizado por sensores distantes, como aviões ou satélites), juntamente com os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e as tecnologias da informação, constitui o conjunto de ferramentas mais conveniente para resolver as necessidades da gestão dos recursos naturais. A geração dos produtos baseados nestas tecnologias tem um grande impacto nas estratégias de prevenção de incêndios como, por exemplo, a possibilidade de estimar o risco de fogo. Isto representa uma informação indispensável para os tomadores de decisão, bem como para os organismos responsáveis por informar as condições críticas para a saúde humana e emitir alertas de emergência. Todos os dados estão disponíveis no portal do Inpe, onde o usuário encontra um sistema de informações geográficas de webmapping com gráficos, tabelas e mapas atuais e históricos.
O Inpe também gera outros produtos para o monitoramento de queimadas que não são divulgados no portal, atendendo necessidades específicas de parceiros do Governo Federal, como o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), além de vários outros órgãos estaduais de combate e fiscalização do fogo na vegetação. Os dados apresentados na Figura 1 mostram que a média anual de focos ativos detectados nos últimos 14 anos é de aproximadamente 170.000.
Figura 1 – Focos ativos de queimada detectados no Brasil pelo sistema de monitoramento do Inpe, por ano, de 1998-2011.
Fonte: Inpe, 2012.
Existe grande oscilação no total de focos, decorrente predominantemente de variações climáticas. O ano mais crítico foi o de 2010, com aproximadamente 250.000 focos. A distribuição dos focos nos biomas brasileiros, apresentada na Tabela 1, mostra que o Cerrado foi o mais crítico, tanto em valores absolutos como em densidade de focos por 100 km2, sendo este bioma normalmente o mais afetado em termos de densidade anual.
Tabela 1 – Quantidade de focos detectados por bioma brasileiro no mais crítico da série histórica de monitoramento (2010)
Fonte: Inpe, 2012
Além de monitorar todo o Brasil, grande parte da América Latina e de Cuba desde 2007, também passaram a ser monitorados os países dos continentes africano e europeu, quando foi incorporado o satélite Meteosat-2 às estações de recepção do Inpe em Cachoeira Paulista (SP) e em Cuiabá (MT).
Outro exemplo importante do uso de geotecnologias para o manejo de incêndios é o monitoramento dos efeitos produzidos pelo fogo em um determinado espaço de tempo. O sensoriamento remoto tem sido amplamente utilizado para o monitoramento das condições da vegetação pós-fogo, principalmente para quantificar a superfície queimada, determinar o nível de severidade, a perda de cobertura vegetal e a taxa de recuperação das comunidades vegetais.
Saúde
Devido a grande quantidade de focos de incêndio na vegetação, que resulta em nuvens de fumaça que cobrem milhões de quilômetros quadrados, o Brasil tem lugar de destaque como grande poluidor e devastador. Esta poluição atmosférica tem afetado de forma significativa a saúde humana, com evidências de uma relação entre queimadas e doenças respiratórias. Os poluentes atmosféricos podem afetar drasticamente a saúde de populações, mesmo que estas estejam distantes das fontes geradoras de poluição. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 50% das doenças respiratórias crônicas e 60% das doenças respiratórias agudas estão associadas à exposição a poluentes atmosféricos. Silva e colaboradores (2010) relataram que muitos estudos epidemiológicos sobre poluentes atmosféricos, originários da queima de biomassa, começaram a ser desenvolvidos devido à preocupação mundial com as mudanças climáticas globais.
* Fabiano Morelli e Pedro Augusto Lagden são pesquisadores do Grupo de Estudos e Monitoramento de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe.
Saiba mais:
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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Indicadores de Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. 472 p.
Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Resolução nº 011 de 14 de dezembro de 1988. Dispõe sobre as queimadas de manejo nas Unidades de Conservação.
INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2012. Portal do Monitoramento de Queimadas e Incêndios.
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